Antonio Peixoto

O (des)armamento na roda

Antonio Peixoto
Jornalista e bacharel em Direito
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A troca de governo mudou a política de (des)armamento no Brasil, com mais restrições. Certo ou errado, os debates retornam à roda como a conversa acalorada que tive com um amigo. Tenho certeza que você aí já parou para discutir isso e é ótimo que o faça. Ele me disse: "o governo Lula quer deixar a população mais insegura tirando a arma da população, enquanto estávamos reduzindo os crimes como homicídios, olha os índices de 2019 se não reduziram?", me falou. Isso não me pareceu lógico, mas fui pesquisar.

De fato era verdade. Foram 45.503 mortes em 2019 já com Bolsonaro. Em 2018 foram 57.956, queda substancial de 21,5%. As mortes causadas especificamente por armas de fogo que representam cerca de 70% do total, em média, tiveram diminuição semelhante, recuando do seu ápice de 48.650 em 2017 para 33.136 em 2019.

Com a edição de mais de 30 atos normativos que facilitaram o acesso a armas de fogo, atiradores, colecionadores e cidadãos comuns tiveram 140.073 armas regularizadas em 2019, segundo o governo. Quantidade que quase chega a todos os registros liberados nos dez anos anteriores (150.974 de 2009 a 2018). Essa associação de mais armas, menos mortes e mais segurança foi comemorada nas redes sociais, como uma queima de fogos para a turma que defende exatamente essas medidas liberais que permitiam uma pessoa ter até 60 armas.

Mas será mesmo que essa lógica contraria a maioria das pesquisas científicas em segurança que apontam, inclusive, para aumento de crimes correlatos, suicídio, feminicídio e morte de crianças em acidentes? Ora, antes do desarmamento, de 1980 a 2003, os homicídios cresciam 5,9% ao ano em média e, depois, entre 2003 e 2018, com o desarmamento, foi estancado e ficou em apenas 0,9% ao ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança. Seguiu crescendo, portanto, só que bem mais devagar com menos armas circulando, com resultado a médio prazo.

Vamos para 2020, segundo ano de Bolsonaro, quando a liberação de armas registradas foi de 268.163 e as pessoas ficaram mais em casa em função da pandemia. Sinônimo de segurança? Não. O índice de homicídios voltou a subir cerca de 5%, atingindo 50.033. E agora, José?

Me parece que essa discussão sobre números absolutos deve ser mais profunda. Devemos ponderar outros fatores que o senso comum desconhece no calor de uma discussão, como pactos entre facções criminosas, poder e organização das polícias, mudança de legislação e questões socioeconômicas, etc., antes de mirarmos na maior posse de armas como causa de redução de mortes violentas.

Estudos apontam para um olhar mais apurado. Por exemplo, se observarmos as vítimas dos últimos 15 anos, a maioria esmagadora (mais de 70%) é de homens negros jovens entre 15 e 29 anos, com baixa escolaridade, que morrem por arma de fogo. Onde estão essas pessoas? Estão seguras? A liberação de armas diminui de fato a vulnerabilidade destas vítimas ou a faz aumentar? Altera só a percepção de segurança de parte da população que tem condições financeiras de comprar armas? Quem faz uso para defesa e quem faz mal uso delas? Quantas armas legais vão parar nas mãos de bandidos? Quantas dessas mortes são matança entre criminosos, entre policiais e bandidos ou entre policiais e inocentes ou ainda entre bandidos e inocentes?

Precisamos responder a tudo isso para entender o cenário e, mesmo tendo a resposta, é fato: não chegaremos à conclusão simplista de que mais armas significam menos homicídios e mais segurança, quando podem significar exatamente o oposto de acordo com o contexto. Vai depender de muitos fatores que incidem ao mesmo tempo - e que o senso comum ignora em uma simples discussão.

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